Pelo menos 5 mil pessoas estão sem a fosfoetanolamina, diz levantamento
TJ-SP barrou o fornecimento da substância para pacientes com câncer.
Composto desenvolvido pela USP de São Carlos era entregue de graça.
Distribuída pela USP por causa de decisões judiciais, a fosfoetanolamina é alardeada como cura para diversos tipos de câncer, mas não passou por esses testes em humanos, por isso não é considerada um remédio. Ela não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e seus efeitos nos pacientes são desconhecidos.
“São pacientes que estão em fase terminal, que já tentaram todos os protocolos médicos, não há nenhuma viabilidade mais em relação à medicina clássica. Ainda que seja uma substância experimental, será que o direito à vida, à dignidade estaria acima ou equitativamente abaixo a essas questões?”, questionou a advogada Mariana Frutuoso.
Preocupação
O impasse na Justiça deixa pacientes preocupados. O analista de sistemas José Luiz Morales Sanches é uma deles. Com nódulos no pulmão, ele relatou que apresentou melhoras ao tomar a substância. Segundo ele, exames comprovaram uma redução de 40%. “Eu acho uma crueldade com o ser humano, acredito que as autoridades deveriam encarar essa situação com mais carinho. Neste momento a doença pode estar avançando de uma forma mais agressiva, não só em mim como também em outros pacientes”, disse.
Com câncer na coluna, a empregada doméstica Rosemeira Grassi começou a tomar as cápsulas em agosto e disse que o resultado veio rápido. Após seis dias já sentiu melhoras.“Saí da casa e parei de tomar morfina”, contou. Mas há um mês ela está sem as cápsulas e o desespero voltou junto com as dores. “Eu sei que eram elas [as pílulas] que me fazia bem, como então eu estava sem tomar morfina então? Eu preciso desse medicamento”, disse.
Na quinta-feira (10), a Justiça bloqueou as contas dos três acusados presos de fazer parte de uma quadrilha que produzia e vendia cápsulas que supostamente seriam de fosfoetanolamina. As contas bancárias da falsa ONG Direitos Humanos e Cidadania também foram bloqueadas. O objetivo é cruzar as informações para investigar a relação entre o grupo e a ONG. O G1 não conseguiu contato com a defesa dos envolvidos.
Segundo o delegado João de Ataliba, diretor adjunto da divisão do Consumidor da Polícia Civil de Brasília, muitas famílias caíram no golpe da quadrilha, que usava endereços de quatro instituições, todas falsas. A equipe da EPTV no DF foi a uma casa onde supostamente funcionava a ONG DHC, em Taguatinga. No local, porém, funciona uma loja de produtos odontológicos e também de materiais de limpeza e produtos para festa em geral.
Os comerciantes, que moram em cima da casa, afirmaram desconhecer a ONG e qualquer informação sobre cápsulas de combate ao câncer. O comerciante Valmir Evangelista dos Santos, que tem uma oficina mecânica ao lado da casa há 20 anos, afirmou também desconhecer as informações. "Nunca funcionou ONG, sempre foi residência. Todo mundo aqui se conhece", disse.
Uma análise encomendada pela EPTV para comparar mostras do composto produzido no campus da USP de São Carlos e o fabricado em Conchal aponta que a droga vendida é falsa. “Não são a mesma coisa", disse o pesquisador Gilberto Chierice, coordenador das pesquisas com o composto, que avaliou o resultado do estudo.Chierice também contou que, de acordo com os dados da análise, que apontam grande quantidade de amido, as cápsulas vendidas pelo grupo desmontado pela Polícia Civil não funcionam. “Você não pode dar para uma pessoa amido, derivado da farinha, e ter o mesmo efeito do que uma molécula como essa, que é bioativa”.
O estudo foi encomendado ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo, após a EPTV comprar cápsulas vendidas pelo grupo. Um funcionário da emissora soube da venda por meio de um site em que pacientes tentam conseguir a substância e, após cinco dias de negociação, fechou a compra de 60 unidades por R$ 180.
O laboratório irregular funcionava em Conchal e, de acordo com o delegado, não tinha higiene nenhuma. Um vídeo gravado pela polícia motra o momento do flagrante.
No local, foram encontrados R$ 56 mil, além de estufas, máquinas encapsuladoras, fornos industriais e várias substâncias químicas para fazer a droga. “No fundo do laboratório havia tonéis acumulando água com criadouro de dengue”, disse o delegado.
No mês passado, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a suspensão do fornecimento da fosfoetanolamina sintética, distribuída pela USP para pacientes com câncer mediante liminares.
DiscussõesA decisão, por maioria de votos, foi tomada após recurso interposto pelo Estado de São Paulo, que argumentou que a substância tem efeitos desconhecidos nos seres humanos, não é considerada um medicamento, não possui o registro necessário perante a autoridade sanitária competente (a Anvisa) e que sua distribuição poderia acarretar graves consequências para os pacientes.
Com isso, pessoas que estavam recebendo as cápsulas deixaram de consumir o composto, desenvolvido há mais de 20 anos pelo pesquisador Gilberto Orivaldo Chierice, professor aposentado do Instituto de Química.
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